Estudo elucida em nível celular como a prática de exercícios preserva a aptidão física no envelhecimento (FAPESP)


Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – É consenso entre os especialistas que a prática regular de exercício físico é fundamental para garantir qualidade de vida e longevidade. No entanto, ainda pouco se sabe sobre como esse hábito influencia o funcionamento das células musculares. Um novo estudo conduzido no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) ajuda a entender, em nível celular, como a atividade física contribui para a manutenção da aptidão física até mesmo durante o envelhecimento.

De acordo com o trabalho, apoiado pela FAPESP e divulgado na revista The Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), a resposta está na mitocôndria. Esse importante componente celular, responsável por fornecer energia às células, está em constante remodelamento graças a um fenômeno chamado dinâmica mitocondrial. Essa organela pode se dividir em duas ou se unir a outra semelhante por meio de processos denominados fissão e fusão mitocondrial. A partir dessa dinâmica são coordenadas a distribuição e a função das centenas ou milhares de mitocôndrias presentes nas células musculares.

Por meio de experimentos com um organismo modelo bem simples, o verme de solo Caenorhabditis elegans, os pesquisadores observaram que, durante o envelhecimento, vão se acumulando nas células musculares mitocôndrias fragmentadas [que são disfuncionais]. Mas quando o exercício físico é praticado regularmente ao longo da vida, a frequência de mitocôndrias fusionadas aumenta, o que beneficia tanto o metabolismo mitocondrial quanto o funcionamento celular, contribuindo assim para a manutenção da fisiologia muscular durante o envelhecimento.

“No trabalho, demonstramos que, no músculo, uma única sessão de exercício físico induz rapidamente a fissão mitocondrial. E logo em seguida, após um período de recuperação, ocorre a fusão mitocondrial. Já sessões diárias ao longo da vida favorecem o aparecimento de mitocôndrias conectadas, retardando então a fragmentação mitocondrial e o declínio do condicionamento físico observados durante o envelhecimento. Dessa forma, o exercício físico e a dinâmica mitocondrial apresentaram importante associação com a manutenção da função muscular na senescência. Era a prova de conceito que faltava”, diz Julio Cesar Batista Ferreira, professor do ICB-USP e coordenador da pesquisa.

Em estudos anteriores, o grupo já havia demonstrado que o exercício físico atua no tratamento de doenças cardiovasculares promovendo o aparecimento de mitocôndrias fusionadas no coração (leia mais em: agencia.fapesp.br/25695/).

Mas ainda era preciso entender como a atividade física impacta o envelhecimento de organismos saudáveis. E para isso os pesquisadores optaram por usar o nematoide C. elegans, considerado um excelente modelo experimental para estudos do envelhecimento (leia mais em: agencia.fapesp.br/38284/).

“É muito trabalhoso e caro fazer um estudo sobre envelhecimento acompanhando indivíduos ou roedores por anos, ao longo de toda a vida. A vantagem do C. elegans é que ele apresenta uma série de similaridades com os humanos, mas tem um ciclo de vida de apenas 25 dias. Desse modo, foi possível mostrar, pela primeira vez, o que acontece com um organismo que se exercita ao longo da vida e quais são os eventos celulares críticos envolvidos no processo”, conta Ferreira.

Segundo o pesquisador, a dinâmica mitocondrial é importante para manter a quantidade e a qualidade das mitocôndrias na célula e, por consequência, o bom funcionamento muscular. Por meio de proteínas denominadas GTPases que “cortam” e “colam” as mitocôndrias, ocorre a fusão ou a fissão dessas organelas. “Dessa forma, em condições estressoras, as proteínas removem a parte da mitocôndria que não está funcionando para ser destruída e juntam a parte funcional com outra mitocôndria. É nessa dinâmica de fissão e fusão que se dá a segregação mitocondrial e o bom funcionamento celular.”

Os resultados do estudo indicam que tanto a conectividade quanto o ciclo mitocondrial de fissão e fusão são essenciais para manter a aptidão física e a capacidade de resposta ao exercício durante o envelhecimento.

Protocolo de treino

Um dos primeiros passos do estudo foi desenvolver um protocolo de exercício físico para os vermes. “Geralmente, esses organismos vivem em meio sólido [na natureza eles vivem na terra e, nos laboratórios de pesquisa, em gelatina]. Quando os transferimos para meio líquido, observamos que eles aumentam a frequência ondulatória associada a maior gasto energético, semelhante ao que acontece com nós humanos quando nos exercitamos”, conta Ferreira.

Desse modo, os pesquisadores demonstraram que a exposição diária dos vermes ao meio líquido resulta em uma série de adaptações fisiológicas e bioquímicas semelhantes às observadas em humanos e roedores exercitados. “Constatamos que, quando eles se exercitam ao longo da vida, o processo de fusão e fissão mitocondrial se mantém íntegro na senescência, ao contrário dos vermes sedentários que acumulam mitocôndrias fragmentadas e disfuncionais já aos dez dias de vida, quando são considerados senis. O exercício regular faz com que o verme tenha melhor qualidade de vida, o que medimos por diferentes indicadores, como função muscular, mobilidade, ingestão de alimento e resistência a diferentes tipos de estresse ao longo da vida. Todos os indicadores estão melhores nos vermes que se exercitaram”, ressalta.

Segundo Ferreira, os vermes que nadaram regularmente até a fase adulta, mas se tornaram sedentários durante a velhice, também apresentaram melhores indicadores em comparação aos que sempre foram sedentários. “Isso acontece porque existe uma memória celular criada pelos estímulos diários de atividade física, que é dependente do processo de fissão e fusão mitocondrial e protege esses organismos durante o envelhecimento”, explica.

Envelhecimento acelerado

Por meio de técnicas de engenharia genética, os pesquisadores desligaram nos vermes os principais genes envolvidos no processo de “cortar” e “colar” mitocôndrias. Essa modificação genética ocasionou um envelhecimento acelerado e, para esses organismos, o exercício passou a ter um efeito tóxico, pois não ocorre o remodelamento, segregação e remoção das mitocôndrias disfuncionais. “Isso confirma a importância da dinâmica mitocondrial tanto para a senescência quanto para a prática de atividade física”, afirma Ferreira.

Em uma segunda parte do estudo, os pesquisadores investigaram se o aumento da longevidade é acompanhado de melhora da aptidão física nos vermes. Para isso, foram feitos experimentos com linhagens de vermes capazes de viver até 40 dias graças a alterações pontuais no genoma. Surpreendentemente, o exercício físico teve um efeito tóxico em quatro das cinco linhagens de vermes longevos testadas no estudo.

“Queríamos entender se o aumento da longevidade está associado ao mesmo mecanismo de melhora da aptidão física e responsividade ao exercício ao longo da vida. Essa é uma pergunta crucial, visto que a população mundial está vivendo cada vez mais. No entanto, o estudo mostrou que longevidade não necessariamente tem relação com qualidade de vida. Vale lembrar que não existe correspondente em humanos para esses vermes geneticamente modificados e que vivem quase o dobro dos vermes selvagens”, afirma Ferreira à Agência FAPESP.

Sensor metabólico

Apenas uma linhagem de vermes longevos (entre as cinco estudadas) apresentou melhora da aptidão física ao longo da vida. Essa linhagem expressa uma enzima chamada AMPK [sigla em inglês para proteína quinase ativada por monofosfato de adenosina] constitutivamente ativa, que atua como um sensor metabólico nas células, regulando a energia e o metabolismo mitocondrial. De modo geral, a produção dessa proteína costuma diminuir com o envelhecimento.

“Nesse experimento, somente os vermes que tinham AMPK ativa durante toda a vida [graças a mutações feitas em laboratório] viveram e nadaram melhor por mais tempo. Entretanto, quando desligamos geneticamente as proteínas que regulam a dinâmica mitocondrial, os efeitos da AMPK foram abolidos. Nesse caso, os vermes apresentaram aptidão física reduzida e, consequentemente, declínio da função muscular na velhice”, diz Ferreira.

Os experimentos com a AMPK sugerem que a ativação dessa enzima pode mimetizar alguns benefícios do exercício por meio da regulação da dinâmica mitocondrial. “Os mecanismos de direcionamento para otimizar a fissão e a fusão mitocondrial, bem como a ativação da AMPK, podem representar estratégias promissoras para um envelhecimento saudável, por meio de melhora nas funções bioquímicas e contráteis do músculo”, conta o pesquisador.

Ferreira explica que o exercício físico regular contribui para o envelhecimento saudável, pois regula os principais sistemas que alicerçam o bom funcionamento celular, entre eles a dinâmica mitocondrial. “Entretanto, sabemos que a prática regular de atividade física ainda é extremamente baixa na população. Certamente, políticas públicas que utilizem informações científicas para estimular esse hábito são necessárias. Além disso, não podemos esquecer que intervenções farmacológicas capazes de controlar tais processos têm potencial para tratar diversas doenças associadas ao envelhecimento”, avalia.

O grupo coordenado por Ferreira no ICB-USP desenvolveu nos últimos anos uma molécula chamada SAMBA capaz de facilitar a fusão mitocondrial e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida de animais com insuficiência cardíaca (leia mais em: agencia.fapesp.br/29602/). Atualmente, o composto está em testes pré-clínicos de segurança e eficácia.

O artigo Exercise preserves physical fitness during aging through AMPK and mitochondrial dynamics pode ser lido em: www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.2204750120.

 

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

 

COISA JULGADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA APÓS JULGAMENTO CONJUNTO DO RE 955.227 E RE 949.297

Fabrício Aparecido Gomes Martins1; Ilse Salazar Andriotti2 1,2Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, Brasil [email protected] RESUMO O presente artigo analisa o julgamento…

Read More
SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ: PRINCIPAIS ASPECTOS CLÍNICOS E DE TRATAMENTO

Carolina Braga Boynard Freitas1 1Faculdade de Medicina de Campos, Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil [email protected] RESUMO CONDENSADO O presente artigo busca abordar as principais questões relacionadas…

Read More
CONDUTAS EMPRESARIAIS E MEDIDAS POLÍTICAS NA MINERAÇÃO

Luciano Silva de Menezes¹; Juracy Marques dos Santos²; Flávia Jussara Santana Menezes3,; Joilson de Jesus Vilas Boas Santos4; Maria Rosa Almeida Alves5 1,2,5Universidade Estadual da…

Read More
CONSUMO ALIMENTAR EM MULHERES COM CÂNCER DE MAMA ATENDIDAS NO AMBULATÓRIO DO HOSPITAL DE URGÊNCIA…

Millena Angel Silva Rodrigues¹; Luiz Gabriel Cerqueira Passos Carmo²; Stefane Maciel Santos Silva3; Josiane de França Vieira4; Vivian Lee Franco Barreto5; Luana Rocha Prado6; Gisele…

Read More
COVID-19 PANDEMIC: IMPACTS IN DENTISTRY PRACTICE IN THE STATE OF PARANÁ, BRAZIL

Mariane Gabrielly Greco1; Beatriz Montanher2; Ellen Caroline Teófilo Campos3; Luis Gustavo Lopes do Nascimento4; Mariana Borges Bahia5; Eloisa de Paula6; Saulo Ancelmo de Souza Júnior7;…

Read More
OS DIREITOS DIFUSOS PARA O ENSINO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: UM OLHAR SOBRE DOCUMENTOS OFICIAIS DIANTE…

Telma Aparecida da Silva Santos Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro-IFTM, Brasil [email protected] RESUMO O presente trabalho tem o objetivo de…

Read More
ALEITAMENTO MATERNO E ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS MENORES DE DOIS ANOS NO MUNICÍPIO DE CHAPECÓ-SC

ALEITAMENTO MATERNO E ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS MENORES DE DOIS ANOS NO MUNICÍPIO DE CHAPECÓ-SC Marta Nichele; Ana Paula de Abreu; Vanessa Fátima Felício 1…

Read More
COMPORTAMENTOS DE RISCO NA PANDEMIA E REPERCUSSÕES NA PROMOÇÃO À SAÚDE

Raquel Silva Barretto Escola de Saúde Pública (ESP/SES), Mato Grosso do Sul, Brasil. [email protected] RESUMO O período pandêmico repercutiu não apenas nas formas de evitar…

Read More
A FEMINIZAÇÃO DOCENTE E O MOVIMENTO SINDICAL NO PARANÁ

Daniela de Vargas Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Foz do Iguaçu-PR, Brasil [email protected] RESUMO A partir do século XIX, ocorreu a inserção feminina na…

Read More
UTILIZAÇÃO DO INSUMO PROFESSOR PELOS DEPARTAMENTOS ACADÊMICOS DA UFRRJ: UMA FERRAMENTA DE APOIO A DISTRIBUIÇÃO…

Fábio Scatamburlo Lizieire Ferreira; Caio Peixoto Chain 1,2UFRRJ, Seropédica, Brasil [email protected] Resumo Esporadicamente a Universidade recebe novas vagas para o cargo de professor do Ministério…

Read More
ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA E QUANTITATIVA DOS ACIDENTES DE TRABALHO EM ALTURA NA CONSTRUÇÃO CIVIL NO BRASIL

Matheus Henrique Clemente Gontijo¹; Marinna Rafaella de Carvalho S. Bezerra²; Diogo Ramon do Nascimento Brito3; Gabriel Moraes da Silva4 1,2,3,4Universidade CEUMA, Imperatriz-MA, Brasil [email protected] RESUMO…

Read More
PREVISÃO DE CAPACIDADE DE CARGA EM FUNDAÇÕES PROFUNDAS ATRAVÉS DE UM MODELO BASEADO EM REDES…

Osvaldo Henrique Lira Carvalho¹; Marinna Rafaella de Carvalho S. Bezerra²; Diogo Ramon do Nascimento Brito3; Gabriel Moraes da Silva4 1,2,3,4Universidade CEUMA, Imperatriz-MA, Brasil [email protected] RESUMO…

Read More
MÉTODOS DE ANÁLISE DA VULNERABILIDADE DE AQUÍFEROS ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Glorgia Barbosa de Lima de Farias; Luiz Fernando Scheibe 1Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil 1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará [email protected]

Read More
AVALIAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DO EXTRATO DA PALHA DE ESPIGAS DO MILHO DA VARIEDADE PALHA ROXA…

Richardson Alves Santos¹; Ester da Cunha Meira Santos2; Eduardo Santos Silva3; Vinicius Almeida Santos4; Rafael Maciel Sousa Prado5; Almir Ribeiro de Carvalho Junior6 1,2,3,4,5,6IFBA, Vitória…

Read More
THE USE OF LASER THERAPY IN PULP REVASCULARIZATION USO DA LASERTERAPIA NA REVASCULARIZAÇÃO PULPAR

Geovana Borba de Albuquerque; Luanna Karina Marinho de Assis Dantas; Arthur Araújo de Souza; Marvin Gonçalves Duarte; Luísa Montenegro Brayner de Moraes; Luciano Barreto Silva…

Read More
A SAÚDE MENTAL NO TRABALHO E OS ATORES SOCIAIS NA SUA PROMOÇÃO

A SAÚDE MENTAL NO TRABALHO E OS ATORES SOCIAIS NA SUA PROMOÇÃO Cláudio Victor de Castro Freitas1; Carolina Braga Boynard Freitas2 1Universidade do Estado do…

Read More